Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA: Luto na cultura, por Gabriel Novis Neves

22 de abr. de 2015

Luto na cultura, por Gabriel Novis Neves

Num mesmo dia - 13 de abril de 2015 -- a cultura mundial perdeu dois de seus expoentes mais expressivos.

Um, no Uruguai, na figura do grande filósofo, poeta, escritor, documentarista, Eduardo Galeano. 

Outro, na Alemanha, Günter Grass, cujos livros tinham sempre um contexto político. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1999 pelo seu livro “O Tambor”, de 1959 - o primeiro de uma trilogia que narra a história da ascensão do nazismo. 

Galeano, nos seus cinquenta anos de carreira, deixou inúmeras obras de vulto, tanto ficcional quanto factual. 

“As Veias Abertas da América Latina: Cinco Séculos de Pilhagem de um Continente”, livro datado de 1971, foi uma das obras mais polêmicas de Galeano. 

O livro descreve a submissão da América Latina e de suas riquezas ao colonialismo europeu no passado e, a partir do século XX, à Grã Bretanha e aos Estados Unidos. 

O atual presidente americano, Barack Obama, recebeu, em 2009, do então presidente da Venezuela, Hugo Chaves, uma cópia da obra, o que aumentou em muito a sua venda no mundo. 

As frases e pensamentos de Galeano ficaram famosos, sendo que, para mim, a definição de utopia é uma das mais inteligentes já registradas: “A utopia está no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos”. 

Caminho dez passos e o horizonte dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais o alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: “Para que eu não deixe de caminhar”. 

Outra de suas frases que muito me agrada: “O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa”. 

Acredita-se que tenha sido o que fez, não só com o seu corpo, mas também com sua cabeça, uma das mais privilegiadas deste século. 

Günter Grass, um dos mais importantes escritores da Alemanha, foi chamado de “consciência moral da esquerda da Alemanha pós-guerra”. 

Era considerado o porta voz literário de sua geração durante a época nazista e descreve-se a si mesmo como um devoto da iluminação num momento em que a razão estava ausente. 

Recentemente, tornou-se muito polêmico ao confessar ao mundo a sua participação, aos dezessete anos, na Waffen- SS, organização nazista da época. Isso é relatado no seu livro “Descascando Cebolas”, de caráter autobiográfico.

Neste livro, Günter Grass revela um sentimento de culpa e se justifica pela pouca idade quando da sua participação na guerra junto aos nazistas.

O mesmo sentimento aparece em uma frase no seu livro “O Tambor” - “não sou responsável pelas coisas que fiz quando criança” – personagem do garoto Oskar. 

“Maus Presságios” é outro livro que se revela autobiográfico e sua relação com o sentimento de culpa, lançado do Brasil em 1992. 

Em 2012 Grass publicou um panfleto com o título “O que deve ser dito”, onde apontava Israel como uma ameaça à paz mundial, pois alertava que o ocidente estava acomodado com relação ao programa nuclear daquele país. Foi considerado “persona non grata” em Israel. 

A literatura mundial está de luto. Calou-se a “voz crítica da América Latina”. Calou-se a “consciência crítica da Alemanha”.

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